quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Sanatório IV

2ª Feira,
Ao fim da tarde o bloco principal estava diferente, umas cadeiras dispostas no Deck para apreciar um quarteto de cordas numa breve apresentação. A terapia da música já tinha sido experimentada outras vezes, nem sempre com bons resultados, por vezes provocava uma irritabilidade nos doentes que os levava a comportamentos agressivos levantando cadeiras em gestos ameaçadores para outros doentes.
Cinco minutos antes do começo, as cadeiras começaram a ficar cheias, Lizandro mais uma vez não estava no escritório, estava de férias, aquelas que ele nunca tirava.
Idalina, Francisca e Madalena já lá estavam quando Nando Lafões começou a descer as escadas que davam acesso ao Deck, enquanto abanava a mão direita, virada a palma para si mesmo, cumprimentado os presentes (outros doentes e médicos), como se do Papa se tratasse, dentro do fato do seu pai e com uma barriga proeminente, o intuito era mostrar o seu anel de brasão da família Lafões. Nando Lafões sofria de Transtorno de Personalidade Narcisista, indivíduos que se julgam grandiosos e possuem necessidades de admiração e aprovação de outras pessoas em excesso assim, Nando, pensava que mostrando o seu anel todos o admirariam muito mais.
Os outros ignoraram-no, aquele anel já à muito que tinha sido “forçosamente” apreciado por todos.
O concerto começou, de dentro do edifício começou-se a ouvir um barulho de berbequim. Sebastião, que estava na solitária, tivera acesso a um berbequim, esquecido pelos homens das obras dentro do seu quarto, e pretendia estragar o concerto a que não podia assistir.
Na plateia alguns dos doentes e médicos presentes começavam a cabecear com sono, lá atrás o médico Pablo atirou-se do Deck abaixo, estatelando-se no meio do asfalto, mas pareceu que ninguém deu por isso. O concerto continuou por 15 minutos acompanhado pelo barulho do berbequim, pelo roncar dos que tinham adormecido e pelo desinteresse dos restantes absorvidos pela “sua” realidade.
3ª Feira,
Joaquim Marinho recebe um novo doente no seu gabinete, Ricardo Manuel, um rapaz calmo, muito tímido, com trinta e poucos anos, com o cabelo cuidadosamente penteado para o lado, vestindo umas calças com cintura subida, camisa de manga comprida e gravata, esta presa dentro das calças e, apesar dos 40º centígrados que se faziam sentir naquele dia, com um Kispo por cima. Tinha sido enviado por seus pais pois estes achavam que alguma coisa de errado se passava com ele embora não soubessem o quê.
- Então o que acha desta mesa? Gosta?
Ricardo encolhe os ombros.
- Ouvi dizer que a sua mãe sempre foi muito protectora para consigo. Gosta muito dela, não é verdade?
Ricardo encolhe os ombros.
- Diga-me uma coisa, que pensamento é que ultimamente lhe assola o espírito? – Voltou a perguntar Joaquim Marinho.
Ricardo respondeu pela última vez, como uma voz muito baixinha, como se ele próprio tivesse medo de se ouvir:
- Ultimamente tenho-me perguntado se as pessoas gostam mais de beber cerveja Abadia ou Boémia.
Joaquim Marinho, que se tinha apresentado como chefe da manutenção, saí da sala para chamar um enfermeiro e diz:
- Vou arranjar o ar condicionado de Adriano Castelo – depois abana a cabeça enquanto se afasta – este gajo ainda vai entrar aqui dentro com uma arma e matar-nos a todos!!!
4ª Feira,
Célia Coquete e Porfírio Relva fumam um cigarro juntos sentados numa janela do 3º andar do bloco de Loures:
- Vou ter que ir assinar uma carta ao Lote F – queixa-se Célia.
- Então por isso é que vens de vestido, enquanto ele te olha para as pernas não procura erros na carta!!!
- Pois é – concorda Célia - mas agora estou para aqui a apanhar um frio nas pernas, por causa disso!!!
5ª Feira,
Madalena teve logo pela manhã uma entrevista com Adriano Castelo. Adriano fala com Madalena sobre os homens e vida de casados.
Madalena diz-lhe que o seu marido é Técnico Oficial de Contas e Adriano interrompe logo a conversa:
- Será que ele me faria o IRS?
- Acho que sim, Engenheiro – responde Madalena pensando estar a falar com um Engenheiro Civil.
- Sabe, se fosse solteira, eu diria que devia andar com um homem 10 anos mais velho para aprender para depois ir ensinar a um homem dez anos mais novo, mas assim só lhe tenho a dizer: Homem que faz contas nunca trai a mulher!!!
6ª Feira,
Andreia Correia, médica psicóloga do sanatório de Loures, mas mais louca que os doentes, disca um número no telefone fixo:
- Estou? Daqui fala a mãe da Kika, é só para dizer que hoje a Kika acordou cedo porque o papá foi-lhe lá dar um beijo, aquele estafermo e, portanto, ponha-a a fazer a sesta!
- Minha senhora foi engano, daqui fala de uma Repartição de Finanças, não de um Externato.
- Então boa tarde sim, era só para dar o recado.
- Minha senhora foi enga…
Andreia Correia desliga a telefone e volta a marcar novo número:
- Estou? Daqui fala a mãe do pitucho Nuninho, é só para dizer para hoje lhe meterem a fralda, é que ele apesar de já ir ao bacio assim dá muito trabalho, é preferível a fralda.
- Foi engano, aqui fala de uma casa particular e não há nenhum…
Andreia Correia desliga a telefone e volta a marcar novo número:
- Estou? Daqui fala a mãe da Kika, é só para dizer que hoje a Kika não pode fazer a sesta senão não dorme à noite.
- Desculpe?!!!
Andreia Correia desliga a telefone e volta a marcar novo número…

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